29 de março de 2024

Jundiaí /SP

Uma vida de oração e de comunhão fraterna vivida para a humanidade

Agosto é o mês dedicado às orações por todas as vocações e a cada domingo, celebramos e rezamos por uma vocação. O tema deste ano “Seguir Jesus a luz da fé” e o lema: “Sei em quem acreditei” (2Tm 2,12) quer incentivar as comunidades, paróquias e dioceses para que rezem pelas vocações, e animar para a construção de uma cultura vocacional. Com o mesmo objetivo, a entrevista especial desta edição traz o testemunho de doação integral a Deus e à Igreja da Irmã Maria Madalena de Jesus Crucificado, OCD, Priora do Carmelo de São José, que nos presenteia com a sua  história de vida e  de vocação.

Entrevista

 O Verbo: O que faz com que uma pessoa escolha a reclusão, a vida de oração?

Em primeiro lugar não escolhemos uma vida de reclusão, escolhemos DEUS, ou melhor, somos escolhidas por Ele. A separação material do mundo é uma consequência e uma exigência intrínseca à nossa vocação. Todo processo vocacional se inicia com uma experiência de Deus, não falo propriamente de uma “experiência extraordinária”. Deus se revela à pessoa que Ele chama no cotidiano da vida, de modo que a pessoa compreenda que está sendo chamada; ela se “sabe” chamada. Essa experiência pode ser até um grande sofrimento. No nosso caso de uma vida inteiramente contemplativa, ou seja, de uma vida de oração e união com Deus e que exclui toda forma de apostolado externo, experimentamos o chamado de forma que a nossa resposta tem que ser a doação total da vida a Deus, vivendo só para Ele. Sentimos que Ele quer que consagremos a vida no silêncio, na oração e na comunhão fraterna, em favor da Igreja e da humanidade. Normalmente esse sentido da doação total da vida pela Igreja e pelo mundo é muito forte em quem é chamado à vida contemplativa.

O Verbo: Vocês têm algum contato com o mundo externo? Como e quando?

Sim, temos um contato limitado com o mundo externo devido às normas da clausura papal.  Recebemos visitas, inclusive dos nossos familiares, no locutório – que é uma sala onde há uma separação material feita através de uma grade – e, em alguns casos, falamos também pelo telefone.

Atualmente fazemos uso restrito da Internet por motivos de trabalho e de algumas comunicações necessárias. Porém, o uso é restrito à Priora, à Mestra de noviças e à ecônoma. Saímos da clausura quando é necessário: para consultas médicas, para votar, para participar de cursos e encontros promovidos pela nossa Associação ou pela nossa Ordem.

O Verbo: Irmã, fale-nos sobre a sua experiência vocacional. Quando sentiu o chamado e como, com que idade? Teve algum momento de dúvida e quem ajudou no discernimento? 0 que foi mais difícil para entregar-se ao Senhor?

É difícil falar de uma experiência, pois aqui entramos na área do mistério do amor de Deus que envolve nossa existência e da resposta daquela que foi escolhida. Mas vou tentar.

Meu nome de batismo é Cássia Isabel Bellodi (Irmã Maria Madalena é meu nome religioso), sou natural de Jundiaí e atualmente tenho 55 anos, e estou há 33 anos no Carmelo.

Meu processo vocacional coincidiu com um processo de conversão. Minha família sempre foi atuante na Igreja, mais precisamente na Paróquia São João Batista, da Ponte São João.

No período da adolescência (como é tão comum), acabei me afastando um pouco da Igreja, mesmo frequentando a Missa dominical. Na verdade era um afastamento mais interior.

Quando entrei na Universidade esse afastamento se acentuou. Além do mais eu tinha planos para o futuro de continuar meus estudos fora do Brasil, tinha planos de me casar também. E fui direcionando minha vida nesse sentido. Porém, Deus veio ao meu encontro e atravessou de cheio a minha vida de uma maneira que eu jamais esperaria.

Quando eu tinha 19 anos, uma de minhas irmãs começou a insistir comigo para que eu fosse na comunidade de jovens com ela. Eu relutava bastante, pois não sentia vontade. Até que ela me convenceu e eu acabei indo e, para minha surpresa, gostei e fiquei! Era um grupo pequeno de jovens que buscavam realmente a Deus com seriedade. Isso me chamou muito a atenção. Tínhamos um programa de formação dado pelo Pároco, além de outras atividades. Formávamos um grupo muito unido e amigo e isso ajudava muito a todos nós. Com o passar do tempo, o contato com a Palavra de Deus foi me incomodando bastante, porque eu constatava que minha vida estava muito distante do que Deus pedia. Lembro-me de uma passagem que uma vez meditamos em comum e que foi a gota d’água para mim: “Conheço as tuas obras: não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas, como és morno, nem frio nem quente, estou para te vomitar de minha boca” (Ap 3,15-16). Essa Palavra foi um “golpe fatal” para que em me abrisse à ação de Deus. Comecei a frequentar a Missa diariamente, a sentir necessidade de rezar e de estar a sós com Deus. Sem que ninguém me falasse nada, percebi que tinha que mudar algumas atitudes: mudei o estilo de roupa que eu usava, pois era muito vaidosa e não muito modesta no vestir; assistia TV raramente e sentia necessidade de uma mudança interior de vida, necessidade de conversão verdadeira. Por isso comecei a buscar com mais frequência o Sacramento da Penitência.

Numa Quaresma, tendo ido confessar, o Padre vendo a minha inquietação, perguntou-me se eu nunca tinha pensado em ser religiosa. Confesso que levei um susto! Eu respondi que não tinha vocação e que pretendia me casar. E encerrei o assunto. Porém, aquilo nunca mais me saiu da cabeça. E esse Padre começou a me ajudar no discernimento. Até que no ano de 1983, que foi um ano vocacional no Brasil, eu acabei admitindo que Deus estava me chamando para a vida religiosa. Quando isso aconteceu, senti uma grande paz, apesar da grande luta. Depois começou a procura do lugar onde Deus me queria. O processo de discernimento vocacional é uma verdadeira purificação!

Um dia, uma amiga convidou-me a ir no Carmelo com ela, pois ela queria conversar sobre vocação. Apesar de ser jundiaiense, eu não conhecia o Carmelo. Quando nos encontramos com a Irmã no locutório e eu vi aquele sorriso e aquela alegria, senti-me em casa. Depois disso o Carmelo nunca mais me saiu da cabeça, era como uma música de fundo. Só de pensar nele me dava alegria. Porém, ao mesmo tempo vivia uma luta intensa, pois sabia o que significaria ir para o Carmelo: teria que deixar tudo (hoje vejo que esse “tudo” não era nada). E aí começaram as dúvidas, e muitas lutas intensas. Como sou muito racional, pensava que aquilo tudo poderia ser “fogo de palha”, que minha vida já estava encaminhada para outra direção, que Deus não podia estar pedindo aquilo justamente para mim, etc. Até que depois de muitas vicissitudes, Deus venceu a batalha. Posso dizer que experimentei literalmente aquela palavra do Profeta Jeremias: “Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir. Foste mais forte do que eu. Tu me dominaste” (Jr 20,7).

Entrei no Carmelo no dia 6 de janeiro de 1985. Tive minhas dificuldades no início, como é normal, mas posso dizer também como Santa Teresa de Jesus: “Nunca soube o que é descontentamento de ser monja”. Sou felicíssima como carmelita.

 O Verbo: Nestes anos de vida religiosa contemplativa, quais foram os momentos de maior alegria e de tristeza?

Foram muitíssimos momentos de alegria e, mesmo os momentos de dor e tristeza, foram vividos na paz que só Deus pode nos dar. Só dá para citar alguns:

Alegria: Tomada de Hábito; Profissão Solene; visita das relíquias de Santa Teresinha; celebração do meu jubileu de prata de vida carmelitana, quando revi amigos e familiares que há muito não via; visita do “bastão” de Santa Teresa; participação em Roma do encerramento do Ano da Vida Consagrada.

Tristeza: doença e morte de meu pai; morte das Irmãs da comunidade; renúncia do Papa Bento XVI; sofrimentos da Igreja com os pastores e consagrados (as) que dão escândalo e divisão dentro da própria Igreja.

O Verbo: Conte-nos sobre a vida no mosteiro, o dia-a-dia das religiosas. Há momentos de lazer, recreação?

A vida no Mosteiro é muito simples, como uma vida de família. O nosso dia se divide entre oração, vida fraterna e trabalho. Rezamos a Liturgia das Horas integralmente, temos duas horas de oração mental por dia e a Santa Missa diária. Fazemos todo o serviço da casa e temos também o trabalho remunerado que ajuda na manutenção do Mosteiro. Atualmente fazemos hóstias, alfaias, velas e imagens. Quanto à recreação, temos duas horas de recreação comum por dia. Nos domingos e algumas solenidades, no horário da recreação podemos jogar bola, peteca, tocar, cantar e dançar. Temos também algumas recreações especiais, como a festa junina e alguns teatrinhos simples, que é algo muito tradicional nos Carmelos.

O Verbo: Atualmente, Quantas são as religiosas que vivem no Carmelo de Jundiaí, qual a faixa de idade das irmãs?

Somos vinte Irmãs de todas as faixas etárias. A mais jovem está com 28 e a mais idosa com 87 anos.

Não é a primeira vez que a senhora é eleita priora, como se dá essa escolha entre as religiosas? O que a priora faz de diferente ou a mais que as demais religiosas?

A eleição da Priora é feita pelas monjas professas solenes, a cada três anos, por votação secreta. Normalmente é o Bispo que preside o Capítulo da eleição da Priora.

A Priora é chamada a estar a serviço da comunidade. Deve ser o elo de comunhão entre as Irmãs e ajuda-las na vivência de sua própria vocação. Deve velar também pela guarda de nossas Constituições e pela observância da clausura. Mas, acima de tudo é uma servidora da comunidade. Alguém que é chamada a dar a vida pela comunidade.

O Verbo: Como é a espiritualidade das carmelitas?

Santa Teresa de Jesus (de Ávila), reformadora da Ordem das Carmelitas Descalças, alicerçou nossa espiritualidade em dois pilares: a vida de oração e a vida de comunhão fraterna. Queria que fôssemos amigas de Deus e amigas entre nós. É tão forte essa questão da amizade em Santa Teresa que ela definiu a oração como “um trato de amizade, estando muitas vezes a sós com quem sabemos que nos ama”. E com relação à vida fraterna ela escreveu: “Aqui todas hão de ser amigas, todas hão de se ajudar, todas hão de se querer, todas hão de se amar”. Por isso também queria comunidades pequenas, com clima de família. E amizade para Santa Teresa é relação pessoa a pessoa, Tu a tu. Resumindo, é uma vida de oração e de comunhão fraterna vivida para a Igreja e para a humanidade.

 O Verbo: De onde vêm os recursos para a manutenção do mosteiro. Como é possível ajudar o mosteiro?

Os recursos vêm em parte do nosso trabalho e das ajudas que sempre recebemos do bom povo de Jundiaí. Atualmente contamos também com as aposentadorias de algumas Irmãs.

Só o nosso trabalho nunca foi suficiente para a manutenção do Mosteiro.

Recebemos ajuda de todas as espécies. Algumas pessoas nos perguntam sobre o que precisamos, outras ajudam espontaneamente. A todas somos muito gratas.

O Carmelo de São José fica na Avenida Dom Pedro I, 531, Vila Loyola, Jundiaí.
Fone: (11) 4586-3649.
E-mail: [email protected]

 O Verbo: Quanto a produção de hóstias: Como é o processo de produção, é todo manual e o que é preciso para fazer boas hóstias? Todas as irmãs trabalham nesse processo? Quantas hóstias vocês produzem por mês e para onde são distribuídas?

Começamos a fazer hóstias há mais de quarenta anos. É claro que durante todos esses anos fomos fazendo uma caminhada no processo de fabricação que começou de maneira bem simples.

Levamos muito a sério a fabricação de hóstias, pois escolhemos esse tipo de trabalho como uma forma de estarmos mais inseridas na Diocese e podermos ajudar também. Atualmente temos um maquinário melhor para a fabricação das partículas. Porém, as hóstias usadas pelos Celebrantes são ainda fabricadas em máquinas manuais, e feitas com muito cuidado e capricho.

O Servo de Deus, Dom Gabriel sempre nos pedia que fizéssemos as hóstias com a espessura maior para que “Jesus ficasse mais tempo conosco”. Esse é um dos cuidados que procuramos ter. Escolhemos também cuidadosamente o trigo, para não perder a qualidade das hóstias.

As Irmãs que trabalham no ofício das hóstias são em média de quatro a cinco e há um rodízio anual. É claro que nem todas as Irmãs podem trabalhar no ofício das hóstias por ser um ofício mais pesado e exigente.

Atualmente a nossa produção é de 400 a 600 mil partículas por mês, dependendo do período do ano. Nos tempos litúrgicos mais fortes, como por exemplo, na Quaresma, a saída é ainda maior. Isso sem contar as hóstias dos celebrantes. Sempre tivemos em vista que a fabricação das hóstias estivesse a serviço da nossa Diocese, mas atualmente vendemos também para Paróquias de outras Dioceses e Arquidioceses, como por exemplo o Rio de Janeiro, Petrópolis, Teresópolis, Campinas, Itajubá entre outras.

O Verbo: Acerca do Mês Vocacional, deixe uma mensagem.

Àqueles ou aquelas que sentem o chamado de Deus, digo-lhes em primeiro lugar: Não tenham medo! Deixem-se amar por Deus! E o amém também de todo coração. É nesse deixar-se amar que vamos sendo modelados e conduzidos por Ele. Ele nunca vai nos enganar. Só somos felizes fazendo o que Deus pensou para nós, mesmo que mude todos os nossos planos.

 

 

 

 

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