“A Sabedoria é um espírito amigo do ser humano” (cf. Sb 1,6).
“Prezados irmãos e irmãs da Igreja de Deus que se faz presente na Diocese de Jundiaí:
Agosto foi mês das vocações, setembro é mês da Bíblia, outubro será mês das missões. Assim segue o ano pastoral no Brasil, destacando aspectos da vida e da missão evangelizadora da Igreja. O Mês da Bíblia surgiu em 1971, por ocasião do 50º aniversário da Arquidiocese de Belo Horizonte, iniciativa esta assumida posteriormente pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Desde então tem se destacado a importância da leitura, do estudo e da contemplação das Sagradas Escrituras.
O mês de setembro foi escolhido fazendo memória a São Jerônimo (celebrado no dia 30), que traduziu os textos sagrados do hebraico e grego para o latim. Foi no fim do quarto século que São Jerônimo (347-420) recebeu do Papa Dâmaso (305-384) a incumbência de presentear o cristianismo com uma versão da Bíblia em latim, que seria chamada, mais tarde, de “Vulgata”, pois o latim era a língua falada pelos letrados da época.
No mês de setembro de cada ano é estudado e aprofundado um tema ou livro, ligando a Palavra da Bíblia Sagrada e a nossa vida. No período dos anos entre 2016 e 2019, conforme proposta do Documento de Aparecida (cf. n. 1), a nossa Igreja está aprofundando a segunda parte da proposta pastoral: “Ser discípulos missionários de Jesus Cristo, para que n’Ele nossos povos tenham vida”. Deste modo, neste ano de 2018, o Mês da Bíblia é dedicado ao Livro da Sabedoria, com suas máximas de vida, ensinando a viver bem e na justiça, tendo como tema: “Para que n’Ele nossos povos tenham vida – Livro da Sabedoria 1,1-6,21”; e o lema: “A Sabedoria é um espírito amigo do ser humano” (cf. Sb 1,6).
Por muito tempo o Livro da Sabedoria foi atribuído ao rei Salomão, pois ele é visto na Bíblia como um rei sábio (cf. 1Rs 3,5-14). Além do mais, o seu nome dava importância ao escrito e incentivo para a leitura deste livro. Mas a probabilidade maior é de que este livro bíblico tenha sido escrito por um sábio judeu da cidade de Alexandria, no Egito, onde havia uma enorme comunidade judaica. O domínio do império romano gerou uma grave crise entre os judeus da diáspora judaica, isto é, dos judeus que moravam na dispersão, longe de sua pátria-mãe, como em Alexandria, que, na época da escrita do Livro da Sabedoria, chegou a ter 600 mil habitantes, dos quais cerca de 150 mil eram judeus. Muito provavelmente este livro bíblico foi escrito nos últimos decênios do séc. I a.C., sendo o último livro do Antigo Testamento.
Qual o objetivo do autor ao escrever o Livro da Sabedoria?
A cultura grega, com suas filosofias, costumes e cultos religiosos, além da hostilidade que, às vezes, incluía perseguição aberta, constituía uma ameaça constante à fé e à cultura do povo judaico que habitava no Egito. Para não serem marginalizados da sociedade, muitos judeus deixavam os costumes e até mesmo a fé no Deus da Aliança, que tinha libertado o seu povo da escravidão do Egito, sob a liderança de Moisés, e assim perdiam a própria identidade para se submeterem a uma sociedade idólatra e injusta.
O autor, profundamente alimentado pelas Escrituras e pela consciência histórica do seu povo, enfrenta a situação, escrevendo um livro que procura de todos os modos reforçar a fé e ativar a esperança, relembrando o patrimônio histórico-religioso dos antepassados. Ele ensina a verdadeira sabedoria que conduz a uma vida justa e feliz. Não se trata da cultura que se conquista pelo pensamento apenas racional e especulativo, mas da sabedoria que vem de Deus, opondo-se à idolatria e à vida injusta que nasce dela. Esta sabedoria divina guiou amorosamente a história do povo de Deus no passado, revelando que a verdadeira felicidade pertence aos amigos de Deus.
O mês da Bíblia deste ano propõe auxiliar apenas a leitura e o estudo da primeira parte literária do Livro da Sabedoria (Sb 1,1-6,21). Em linhas gerais, ao abordar o tema da sabedoria, a Sagrada Escritura, neste livro, toca num dos pontos mais importantes da nossa existência humana: qual o sentido da verdadeira sabedoria? qual a sua fonte? qual a sabedoria que deve nortear nossa vida? Já no início, afirma-se que “a Sabedoria é um espírito que ama o ser humano” (Sb 1,6a), identificando-a com “o Espírito do Senhor que enche toda a terra e, abrangendo tudo, tem conhecimento de cada som” (cf. Sb 1,7). Deste modo, ao longo do Livro da Sabedoria, o autor, identificando-se como um verdadeiro sábio, com simplicidade e grande maestria pedagógica, declara, em primeira pessoa, por que ensina com paixão a Sabedoria aos seus destinatários, a fim de que eles desejassem este dom mais que tudo na vida. Quem é sábio conhece o que é de Deus, o que Ele pensa, o seu projeto, o seu desígnio desde toda a eternidade. Aí está o sentido da verdadeira sabedoria. Não é um saber qualquer, mas aquele que revela e descobre os sinais que Deus realiza na história da salvação. Portanto, “a Sabedoria é luminosa e nunca murcha. Facilmente é contemplada por aqueles que a amam, e é encontrada pelos que a procuram” (Sb 6,12). Para isto, é preciso o dom do discernimento, resultado da ação do Espírito em nossa vida, que nos dará condições para estabelecermos prioridades e distinguirmos os passos a serem dados.
Por fim, a sabedoria tem muito a que ver com a justiça. O tema da justiça está presente em todo o livro da Sabedoria. Desde o primeiro versículo, lemos: “Amai a justiça, vós que governais a terra; pensai corretamente sobre o Senhor e com integridade de coração procurai-o” (Sb 1,1). Os textos relacionados à justiça mostram, nas entrelinhas, o sofrimento dos justos e o julgamento dos ímpios. Os justos são mencionados muitas vezes: eles sofrem, resistem e gritam por justiça. Por isso, o julgamento de Deus contra os ímpios, também chamados de injustos, será rigoroso. Dizem os injustos: “Oprimamos o justo pobre e não poupemos a viúva, nem respeitemos os cabelos brancos do ancião” (Sb 2,10). E ainda: vamos pôr o justo “à prova com ofensas e torturas para ver a sua serenidade e provar sua paciência” (Sb 2,19). Mas, “o justo ficará de pé, com grande confiança, na presença dos que o oprimiram e desprezaram seus sofrimentos” (Sb 5,1). O sábio vive pela força de Deus que nos move a promover e a defender a vida ameaçada. Em vista disso, os governantes ganham uma tarefa muito importante, pois se espera que eles promovam a justiça, a fim de que possam contribuir para a construção da convivência favorável ao bem-estar de todos.
Queridos irmãos diocesanos: sejamos sábios segundo a sabedoria de Deus, como afirmou tão bem São Paulo, contrapondo “a sabedoria do mundo” e a verdadeira “sabedoria de Deus” (cf. 1Cor 1,18-31). No próximo mês de outubro teremos eleições tão decisivas para o nosso país. A situação social e política do nosso Brasil, sabemos, é de muitas inquietações e incertezas. Busquemos no Livro da Sabedoria as inspirações de que necessitamos para que façamos do nosso voto uma opção consciente e sábia para que todos os brasileiros tenham “vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Neste mês da Bíblia, empenhemo-nos mais em ler, refletir e rezar a partir do Livro da Sabedoria, particularmente dos seus primeiros seis capítulos. Tenhamos certeza de que “a Sabedoria é um espírito do ser humano” (cf. Sb 1,10).
E a todos abençoo”.
Dom Vicente Costa
Bispo Diocesano