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“Francisco nos deixa um testemunho de santidade”

“Francisco nos deixa um testemunho de santidade”

“O Papa Francisco nos deixa esse legado de um pastor cheio de ternura, cheio de amor, de compaixão para cada um de nós. Penso que, a exemplo dos outros papas, Francisco nos deixa um testemunho de santidade.”

A seguir, confira a íntegra da homilia de Dom Arnaldo Carvalheiro Neto proferida na missa em sufrágio da alma do Papa Francisco, celebrada ao meio-dia desta segunda-feira, 21 de abril, na Catedral Nossa Senhora do Desterro, em Jundiaí.

 

Nasci no ano de 1967, ainda no início do pontificado do Papa Paulo VI. E posso dizer que a minha geração e as gerações vindouras, também gerações que vieram pouco antes de mim, que tiveram um grande privilégio de, como cristãos ou membros da Igreja, conhecerem papas que deram testemunho tão bonito da fé em Cristo Jesus, que foram verdadeiramente vigários, Vigários de Cristo Jesus. Muitos deles foram até canonizados, São João XXIII, Papa São Paulo VI, depois em um período breve de tempo, apenas por 33 dias, o Papa João Paulo I, depois veio o Papa São João Paulo II, depois o Papa Bento XVI, e agora então nos despedimos do Papa Francisco. Grandes homens que edificaram a nossa Igreja e que foram verdadeiros autênticos sucessores de Pedro, porque guardaram o tesouro da fé e mediante a pregação deles, mediante o testemunho, eles confirmaram todos no caminho do evangelho, n os passos do Senhor Jesus, mantendo a nossa Igreja sempre unida na mesma comunhão.

Fala-se que no tempo do Papa São João Paulo II, as pessoas iam à Santa Sé, iam ao Vaticano para ver o Papa. O Papa São João Paulo II tinha um carisma extraordinário. Por três vezes visitou o Brasil, e eu me lembro quando ainda era adolescente, em São Paulo, no Largo 23 de maio. Estava em meio a uma multidão de pessoas para ver o papa passar em seu papamóvel na sua primeira visita aqui ao nosso país. Quanta comoção, quanta alegria. E a sua presença e o seu carisma a todos encantava.

Depois veio o Papa Bento XVI, grande teólogo. Que delícia era escutar os ensinamentos, as pregações do Papa Bento XVI. De modo que, se antes as pessoas iam ao Vaticano para ver o Papa, no tempo do Papa Bento XVI as pessoas iam ao Vaticano para escutar os ensinamentos do Papa.

E agora, com o Papa Francisco, todos nós o sentimos tão, mas tão próximo, de modo que, aqueles que podiam ir até o Vaticano para visitá-lo, para vê-lo, iam lá para tocar no Papa, devido a sua proximidade. Como ele gostava de dizer, ele era um pastor que verdadeiramente tinha o cheiro das suas ovelhas. Era tão próximo. Era próximo de todos e, ainda que muitos de nós não tivéssemos tido a oportunidade de estar próximo dele – eu tive a graça de estar com ele duas vezes, e com o Papa São João Paulo II uma vez também muito próximo -, todos nos sentimos muito, muito próximos.

Então, ele nos deixa esse legado de um pastor cheio de ternura, cheio de amor, de compaixão para cada um de nós, como também para com os pobres e também todos os seres da natureza. Um papa que fez muito jus ao nome escolhido, Francisco, que apesar de ser jesuíta, deu um testemunho tão bonito da espiritualidade franciscana, tão importante, tão necessária nos nossos dias. Penso que o Papa Francisco, a exemplo dos outros papas, nos deixa um testemunho de santidade.

A segunda leitura da missa de ontem, escutamos São Paulo dizendo aos Colossenses: “Buscai as coisas do alto”. A missão, então, a vocação de todos nós é a santidade. Mas buscar as coisas do alto, eu dizia ontem nesse mesmo púlpito, nesse mesmo ambão, buscar as coisas do alto não significa ser anjos, seres angelicais. Buscamos as coisas do alto e nos santificamos quando vivemos plenamente a nossa humanidade e unimos a nossa humanidade à humanidade de Cristo Jesus, que não vem ao nosso encontro em forma de anjo, mas em forma humana. Jesus se encarnou, o Verbo Divino se encarnou e habitou entre nós e continua habitando e vivendo no meio de nós através do seu espírito que habita no nosso coração.

Então, o Papa Francisco nos deixa um testemunho bonito de santidade através da sua humanidade, através de seus tantos e tantos gestos, muitos deles até penso que pequenos, mas que falavam tão alto, e que nos ensinaram tantas coisas.

Eu aqui quero me recordar de dois momentos. Talvez tenha passado despercebido para muitos de vocês, mas me recordo que numa viagem dele ao Chile, ele estava andando no seu papamóvel, as pessoas o saudando com toda alegria, e houve um policial montado num cavalo que caiu, se acidentou. Me recordo do papa batendo no capô do carro, pedindo ao motorista que parasse. Ele então desce do seu papamóvel para verificar o que se passou com aquele policial como quem dissesse: “Olha, não se preocupe mais comigo. Agora, a nossa atenção deve ser voltada a este irmão nosso que se acidentou. Graças a Deus não houve nada de grave, mas foi um gesto tão natural, quase que visceral… Assim era o nosso querido Papa Francisco. Numa outra ocasião, numa de suas viagens ainda no avião, os repórteres, como costumavam entrevistá-lo fazendo perguntas, tantas perguntas. E uma vez lhe perguntaram: “O que que a senhor pensa das mães solteiras?” Ele então responde: “Não existem mães solteiras. Existem mães.” Como que sensível e chamando a nossa atenção aos estigmas que, tantas vezes, nos separam. “Não existe mãe solteira, existe apenas mãe.” Então, são gestos, são palavras como essas – e foram tantos gestos, tantas palavras – que nos ensinaram tanto e nos comoveram tanto.

Fala-se que o Papa São João XXIII trouxe a Igreja pro tempo da modernidade. É preciso pensar que toda mudança na Igreja ocorre a partir de um discernimento dos sinais dos tempos e de uma volta às origens, ao carisma originário, ao Evangelho. O Papa Francisco trouxe a Igreja ao nosso tempo contemporâneo, à pós-modernidade. Mediante esse tempo de mudança, fala-se que vivemos uma mudança de época. Francisco então nos recorda que, por mais que haja mudanças, o essencial, sobretudo para nós Cristãos Católicos, é sermos sempre fiéis ao Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Então, dialogar com os nossos tempos não significa fazer concessões à modernidade ou pós-modernidade, ao mundo contemporâneo, mas sermos fiéis. É dialogarmos, é mudar tudo aquilo que for necessário para tornar o Evangelho ainda mais presente no coração da saciedade e do mundo, mas sempre fieis ao Evangelho, ao carisma originário, ao Espírito Santo de Deus.

Meus queridos, eu sei que eu já falei demais, mas é o coração que fala. Todos nós fomos surpreendidos, eu não imaginava que iríamos nos unir hoje nesta igreja Catedral para celebrarmos a missa em sufrágio do Papa Francisco. Escutando tantas coisas sobre o Papa na televisão, tantas coisas bonitas, me veio ao coração e, vou fazer isso se me permitirem, ler para vocês as últimas palavras do Papa na sua autobiografia. Eu quero que o Papa fale por si mesmo. Celebramos agora, nestes dias passados, as últimas palavras do Senhor. Aqui, nesta igreja Catedral, participei de uma pregação tão bonita do nosso jovem padre Leonardo que fez uma visitação das sete últimas palavras de Jesus. Então, quero ler para vocês as últimas palavras do Papa Francisco na sua própria autobiografia. E estas palavras parece que sintetizam todo o seu ministério, todo o seu pontificado, tudo aquilo que passou pelo coração dele. Permitam-me então ler as últimas palavras.

“Hoje, por diversos motivos, muita gente parece não acreditar que um futuro feliz seja possível. Esses temores devem ser levados a sério, mas não são invencíveis. Ocorre que só podem ser superados se nós não os deixarmos em nós mesmos. Diante da maldade e das torpezas que nosso tempo reserva, nós também somos tentados a abandonar o sonho da liberdade.” Olha que interessante. Sonho da liberdade. Aqui, em particular, para nós brasileiros… O Papa Francisco nos deixa no dia que celebramos Tiradentes, no dia que celebramos os 40 anos do falecimento de Tancredo Neves, todos eles arautos da liberdade. “Refugiamo-nos em nossas frágeis seguranças humanas, nossa rotina tranquilizadora e nossos medos tão bem conhecidos. E por fim, renunciamos à viagem rumo à felicidade da terra prometida para voltar à escravidão do Egito. O medo é origem da escravidão e de toda forma de ditadura, pois é com base na instrumentalização dos temores do povo que crescem a indiferença e a violência. O medo é uma gaiola que nos exclui da felicidade e rouba o futuro.” Outro comentário: vocês sabem que na Sagrada Escritura, o versículo que mais repete, tanto no Antigo como no Novo Testamento é: “Não tenham medo. Eu estou com vocês”. Contudo, escreve o Papa, “Basta um único homem, uma única mulher para ver esperança. E esse homem e essa mulher pode ser você. Então, há outro você, há outro e mais outro e mais outro. Então, nos tornamos nós. Para nós, Cristãos, o futuro tem um nome, e esse nome é esperança. Ter esperança não significa ser um otimista ingênuo que ignora o drama do mal da humanidade. A esperança é virtude de um coração que não se fecha na escuridão, não se detém no passado, não vive como pode no presente, mas sabe viver o amanhã com lucidez. Nós, cristãos, nós devemos ser inquietos e alegres. A felicidade é sempre um encontro, e os outros são uma ocasião concreta para encontrar o próprio Cristo.” Parênteses meu: porque Cristo habita em nós. “Em nosso tempo, a evangelização será possível pela propagação da alegria e da esperança. Então, a esperança só começa quando há o “nós”? Não, ela já começou com o “você”. Quando há o “nós”, começa uma revolução. Onde existe o Evangelho, não só ostentação, nem a sua instrumentalização, mas onde existe a sua presença concreta, há sempre revolução, uma revolução de ternura. A ternura nada mais é do que isto: amor que se torna próximo e concret. É usar os olhos para ver os outros, para ouvir o grito dos pequenos, dos pobres, de quem tem o futuro. Ouvir também o grito silencioso da nossa casa comum, da terra contaminada e doente e depois olhar e ouvir. E depois de olhar e ouvir, não está o falar, está o fazer. Certa vez um jovem me perguntou: ‘Na universidade tenho muitos amigos que são agnósticos ou ateus. O que devo dizer para que se tornem cristãos?’ Nada, respondi. Não diga nada. A última coisa que você deve fazer é falar. Primeiro, deve fazer. Então, quem vir como como você vive e administra sua vida, é que perguntará ‘por que você faz isso?’ Nesse momento você poderá falar com os olhos, com os ouvidos, com as mãos e só depois com as palavras. No testemunho de uma vida, a palavra vem depois, é consequência. Deixar espaço para dúvida também é importante. Se uma pessoa diz que encontrou Deus com total certeza, não é uma coisa boa. Se alguém tem as respostas para todas as perguntas, essa é a prova de que Deus não está com ele. Significa que essa pessoa é um falso profeta que instrumentaliza a religião e a usa em benefício próprio. Os grandes guias do povo de Deus, como Moisés, sempre deixaram espaço para a dúvida. É preciso ser humilde. É preciso deixar espaço para o Senhor, não para as nossas falsas seguranças.” Aqui, um parêntese meu: a nossa religião, o cristianismo, a nossa Igreja, não é uma religião de certezas, mas é de mistério. E aqui ele acaba dizendo as últimas palavras: “A ternura não é fraqueza, é verdadeira força. É a estrada percorrida pelos homens e pelas mulheres mais fortes e corajosos.” Vamos percorrê-la, meus queridos padres, diáconos, seminaristas, religiosos, religiosas, leigos e leigas, lideranças, vamos percorrê-la! Vamos percorrer a estrada dos mais fortes e corajosos que é a ternura, a estrada da ternura. Vamos percorrê-la e lutar com ternura e coragem! Últimas palavras do Papa, último conselho: “Percorram-na, percorram-na! E lutem com ternura e coragem. Só apenas um passo.” Termina aqui a autobiografia dele.

Só apenas um passo. Que possamos nós também, meus queridos irmãos e irmãs, sermos um passo, um passo que unido aos passos de todos nós possamos caminhar firmes, confiantes, nos aproximando cada vez mais do amor de Deus. Deste Deus que permanecerá sempre como um mistério, como aquela nuvem que guiava o povo de Deus no deserto. Mistério insondável é o amor de Deus que é maior que tudo aquilo que podemos pensar ou imaginar. Esse amor que transborda do coração de Deus, que alcança e reúne todos em um só coração. Que sejamos nós também um passo, um passo pequenino, um passo humilde, mas que unido aos passos de toda a Igreja, se torne um grande passo. Um grande passo em direção à santidade, um grande passo em direção ao Reino de Deus que já está presente no meio de nós, mas não plenamente.

Que a memória do Papa Francisco, que os seus ensinamentos permaneçam sempre vivos no nosso coração. Que possamos nos despedir dele com o coração cheio de gratidão. Rezemos por ele, e que a infinita Misericórdia Deus o acolha no seu reino celestial. Que ele, a exemplo de tantos outros papas, a exemplo de tantos santos e santas de Deus, nos ajude a dar passos seguros e confiantes, ainda que pequenos, rumo ao Reino dos Céus, rumo ao Céu.

 

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