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Dom Cláudio Hummes, coragem cristã para combater as injustiças do nosso tempo

Dom Cláudio Hummes, coragem cristã para combater as injustiças do nosso tempo

Quando os votos atingiram dois terços, surgiu o habitual aplauso, porque foi eleito o Papa.
Ele abraçou-me, beijou-me e disse-me: ‘Não te esqueças dos pobres!’ E aquela palavra se gravou em minha cabeça: os pobres, os pobres. Logo depois, associando com os pobres, pensei em Francisco de Assis.

          O relato acima é do Papa Francisco. O interlocutor por ele mencionado é Dom Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo, que neste 4 de julho, aos 87 anos, foi ao encontro do Pai.

     O currículo de Dom Cláudio no âmbito da Igreja Católica é por si só eloquente: ingressou na Ordem dos Frades Menores em 1952, aos 17 anos; ordenou-se sacerdote em 1958; doutorou-se em Filosofia na Pontifícia Universidade Antonianum, em Roma, em 1963; foi nomeado bispo diocesano de Santo André em 1975 e, depois de 21 anos, em 1996, bispo de Fortaleza; tornou-se, por desígnio do Papa João Paulo II, arcebispo de São Paulo em 1998. Em 2001, foi feito cardeal. De 2006 a 2010, foi prefeito da Congregação para o Clero, nomeado pela Papa Bento XVI.

      Cargos e postos dizem muito, mas não dizem tudo. Ouvir Dom Cláudio e seguir seu exemplo humanitário no dia a dia de sua atividade diocesana são, isto sim, aprendizado católico insubstituível. Recordem-se suas palavras sobre o apoio dado, enquanto bispo de Santo André, aos operários do ABC paulista no longínquo ano de 1980, conforme publicado no “Relatório aos bispos – Presença da Igreja na greve dos metalúrgicos do ABC em 1980”. Uma aula de coragem em pleno regime ditatorial:

Oferecia-se num primeiro momento as dependências das paróquias, exceto templos. Só quando essas dependências não serviam, como último recurso ofereciam-se também os templos. Esse último recurso foi usado sobretudo em São Bernardo do Campo, onde também por sua vez os trabalhadores respeitaram com muita dignidade o interior do templo, sem qualquer abuso. Quem não respeitou foi a repressão, que invadiu a nave da igreja e acabou prendendo um sindicalista dentro da sacristia.

       Posicionar-se diante de conflitos políticos e sociais é tarefa também evangelizadora, em contrapondo a opressores que costumam exercer seu poder de subjugo usando indevidamente a palavra de Deus. Assim fazia Dom Cláudio Hummes: posicionava-se. E conclamava os fiéis a fazerem o mesmo.

      A sintonia com o tempo levou-o a defender o meio ambiente com a ousadia que sempre marcou suas atividades episcopais. Soube enxergar a estreita relação entre a violação dos povos originários, o vilipêndio do meio ambiente e interesses econômicos inconfessáveis. Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, disse sobre os índios brasileiros, para o mundo ouvir, em pronunciamento na COP21 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), em 2015:

É preciso defendê-los, defender seus direitos, dar-lhes de novo a possibilidade de serem os protagonistas de sua história, os sujeitos de sua história. Deles foi tirado tudo: a identidade, a terra, as línguas, sua cultura, sua história, tudo.

       Em 2019, durante o Sínodo da Amazônia, Dom Cláudio manifestou-se sobre a demarcação de terras indígenas com as seguintes palavras:

Nós sabemos que, para os indígenas, isso é fundamental. Também as reservas geograficamente delimitadas são importantíssimas para a preservação da Amazônia.

       Tristemente, o país em que floresce uma figura como a de Dom Cláudio Hummes é também palco de crimes por ganância sem par na Terra. Ou não seria a ganância a motivação do assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips? Ganância pura e simples por dinheiro, dinheiro fruto de tráfico de drogas, de tráfico de madeira, de pesca e de garimpo ilegais. Para isso, rouba-se a terra do índio e mata-se quem tenta protegê-lo.

      Não houve tempo para que Dom Cláudio Hummes proferisse alguma consideração mais contundente sobre os assassinatos de Bruno e Dom, mas não é difícil imaginar o que diria.

      O exemplo de Dom Cláudio Hummes, sua fé e seu inconformismo cristão perante as injustiças sociais seguirão vivos. A quem quiser conhecer seu pensamento mais a fundo, aproximar-se mais do seu legado combativo e humanitário, sugerimos a leitura destes escritos de sua autoria: “Sempre Discípulos de Cristo – Retiro Espiritual do Papa e da Cúria Romana (Paulus, 2022); “Diálogo com a Cidade” (Paulus, 2005); “Discípulos e Missionários de Jesus Cristo. Ser Cristão no Mundo Atual” (Paulus, 2006); “O Sínodo da Amazônia” (Paulus, 2019).

 Dom Arnaldo Carvalheiro Neto
Bispo nomeado de Jundiaí

 

 

 

 

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