“Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27).
Prezados irmãos e irmãs da Igreja de Deus que se faz presente na Diocese de Jundiaí:
A partir da Quarta-Feira de Cinzas, que neste ano ocorreu em 6 de março, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) convida os fiéis católicos, bem como todos os homens e mulheres de boa vontade, a refletir sobre determinada situação existencial do povo brasileiro. Uma vez mais celebramos a Campanha da Fraternidade (CF), que neste ano tem como tema: “Fraternidade e Políticas Públicas”.
Já o lema da CF-2019 foi extraído do livro do profeta Isaías: “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27). De fato, uma das missões dos profetas era chamar a atenção das lideranças de seu tempo a respeito do cuidado para com as pessoas que estavam sob sua responsabilidade. O governante, com autoridade conferida por Deus, tinha o dever de pensar no bem-estar de todos, principalmente dos pobres e dos mais vulneráveis.
Importante lembrar que, desde 1964, a CF é celebrada no tempo da Quaresma, tempo de preparação para o centro da fé cristã: a paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Se a Quaresma nos provoca e convida para um profundo processo de conversão para com Deus e o próximo mediante o chamado à oração intensa, o jejum e a prática da caridade e das obras da misericórdia, nada mais significativo do que viver o espírito quaresmal na busca do direito e da justiça, do amor e da fraternidade. Como cidadãos e cristãos, somos chamados a construir uma sociedade justa e fraterna, ao mesmo tempo em que edificamos o Reino de Deus anunciado e inaugurado em e por Jesus.
Queridos irmãos diocesanos: alguns, sendo contrários ao envolvimento da Igreja e de sua missão evangelizadora em questões de caráter social, questionam se tais assuntos, como a CF, são mesmo importantes para nossa caminhada de fé, porém, a Igreja deve sempre ser fiel a Jesus Cristo que, no seu ministério, anunciou o Evangelho do Reino de Deus. O projeto de Jesus pode ser resumido nesta frase por ele proferida: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Portanto, o projeto do Reino de Deus estabelece que a fé e o amor a Deus são autênticos somente quando têm como consequência o amor concreto ao próximo, o respeito pela sua plena dignidade e o engajamento por condições de vida melhor para todos, sem discriminação alguma. Por isso, a fé jamais poderá servir de pretexto para que vivamos isolados num casulo, sem nos importarmos com as condições de vida de tantos irmãos e irmãs, particularmente os mais pobres e indefesos, que clamam por mais vida em suas vidas. O único critério do nosso julgamento final por parte de Jesus é bem claro: “Em verdade, vos digo: todas as vezes que fizestes isso a um destes mínimos que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25,40), ou: “Em verdade, vos digo, todas as vezes que não fizestes isso a um destes mínimos, foi a mim que o deixastes de fazer!” (Mt 25,45).
A Doutrina Social da Igreja, que nasce da Sagrada Escritura e da fé viva da Igreja, salienta essa responsabilidade social da fé cristã. Papa Francisco, na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, afirma que a fé em Jesus Cristo não pode ter uma perspectiva individualista: “Uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela. (…) Todos os cristãos, incluindo os Pastores, são chamados a preocupar-se com a construção dum mundo melhor. É disto mesmo que se trata, pois o pensamento social da Igreja é primariamente positivo e construtivo, orienta uma ação transformadora e, neste sentido, não deixa de ser um sinal de esperança que brota do coração amoroso de Jesus Cristo” (n. 183).
Segundo o Texto-Base da CF-2019, o Objetivo Geral desta Campanha é: “Estimular a participação em Políticas Públicas, à luz da Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja para fortalecer a cidadania e o bem comum, sinais da fraternidade” (n. 12).
Mas o que se entende por “Políticas Públicas”? O próprio Texto-Base esclarece: “as Políticas Públicas são ações e programas que são desenvolvidos pelo Estado para garantir e colocar em prática direitos que são previstos na Constituição Federal e em outras leis” (n. 14). Em outras palavras, as Políticas Públicas nascem da Constituição e dos programas do governo que nós elegemos pelo voto, visando à promoção do bem comum na perspectiva dos mais pobres da sociedade.
As Políticas Públicas em áreas tão prioritárias e fundamentais para o bem de todos, como por exemplo: no campo da saúde, educação, segurança, emprego, alimentação, pessoas (crianças, adolescentes, jovens, idosos, pessoas com deficiência) família, acesso à terra e à moradia, ao meio ambiente, dependem, em grande parte, do exercício da nossa cidadania. Neste sentido, é fundamental nossa atuação nos Conselhos de Políticas Públicas que são órgãos colegiados, permanentes e deliberativos, incumbidos, de modo geral, da formulação, supervisão e avaliação das Políticas Públicas, em âmbito federal, estadual e municipal.
Quando não conhecemos nossos direitos e deveres como cidadãos e não garantimos que os programas que visam ao bem comum sejam programados e eficazmente realizados, arriscamo-nos a tornar sem efeito o nosso voto, uma vez que não sabemos acompanhar e cobrar os que foram eleitos por nós. Não podemos cruzar os braços e nem nos omitir, deixando-nos manipular e ser enganados. Movidos pelo amor ao Brasil, nossa pátria amada, pelo Estado e pelo nosso Município, devemos entender o valor e a importância da política. Só assim vamos contribuir para a construção de uma nova sociedade, vivendo a caridade fraterna e buscando o bem comum.
Sim, meus irmãos e irmãs: é preciso participar, nos educar no exercício da cidadania e assumir nossa responsabilidade pelo bem comum. Sendo discípulos missionários de Jesus, o “rosto da misericórdia”, que revelou o amor infinito do Pai por meio de suas palavras, gestos e obras, e que restituiu a todos a plena dignidade de sua natureza humana e de sua sublime vocação de filho e filha de Deus, saibamos responder ao convite à conversão nesta Quaresma, acolhendo os pobres e marginalizados através de políticas públicas justas e eficazes na construção de uma sociedade mais humana e solidária. Assim seja.
E a todos abençoo, particularmente os Agentes Pastorais da CF da nossa Diocese e todos aqueles que acreditam na causa tão nobre e necessária desta Campanha.
Dom Vicente Costa
Bispo Diocesano