No Iraque, em sua 33ª viagem apostólica e primeira viagem ao exterior desde o início da pandemia, o Papa falou em esperança e convivência harmônica entre os povos.

Pela primeira vez na história, um chefe de Estado do Vaticano visitou o Iraque, a antiga Mesopotâmia, terra onde viveu Abraão e conhecida por ser o “berço das civilizações”. O Papa Francisco visitou o país entre os dias 5 e 8 de março, sob o lema: “Sois todos irmãos”, extraído do Evangelho de Mateus, enfatizando a necessidade de paz, independentemente da crença religiosa. Uma viagem antes sonhada e desejada por São João Paulo II, que foi proibido de visitar o país no ano 2000, devido à guerra e às dificuldades em firmar um acordo com Saddam Hussein, então presidente e primeiro-ministro do Iraque (16 de julho de 1979 a 9 de abril de 2003).
Como pastor, como pai e como aquele que vai ao encontro de quem está em dificuldade, o Papa Francisco, conhecido por construir relacionamentos sólidos com líderes muçulmanos, insistiu em realizar a viagem mesmo em tempos tão desfavoráveis (devido à pandemia, só para citar um motivo) porque em seu coração estava o desejo de mostrar à minoria cristã e tão sofrida, presente no Iraque, que ela não está sozinha. Num gesto poderoso e simbólico, sua missão foi de paz e compaixão.
O Mundo parou e acompanhou a viagem do Papa Francisco ao Iraque
O contexto geopolítico do Oriente Médio, sua localização e história, a atual pandemia da Covid-19 e por se tratar da primeira vez que um Papa pisou em solo iraquiano contribuíram para fazer da visita do Papa Francisco ao Iraque um fato histórico. Em consequência desses fatores, e não podia ser diferente, o evento foi destaque na imprensa mundial, em suas diversas expressões – foi o assunto de destaque no período da história recente. Para além dos jornais impressos, boletins televisivos e radiofônicos, as mídias sociais, utilizando de toda a sua capacidade tecnológica, registraram e transmitiram os acontecimentos da passagem de Francisco pelas terras de Abraão minuto a minuto. Acompanharam o Papa 74 jornalistas de 15 países, sendo que 14 deles pela primeira vez.
A peregrinação do Papa foi destaque no Brasil, na Bósnia-Herzegovina, nos Estados Unidos da América, no Japão, em Portugal, Espanha, só para citar alguns exemplos. Os principais jornais espalhados pelos cinco continentes noticiaram o evento: o diário britânico The Independent estampou na primeira página, em 6 de março, “O Papa Francisco inicia uma histórica visita ao Iraque”. Por sua vez, o jornal nicaraguense La Prensa exibiu: “Francisco em histórica visita ao Iraque”. Do outro lado do mundo, o Khaleej Times, dos Emirados Árabes Unidos, ou o Arab News, da Arábia Saudita, também destacaram a visita. Na França, o principal jornal do país, Le Monde, completou: “O Papa Francisco no Iraque, uma viagem histórica e muito política”. As próprias palavras do Papa contribuíram para registrar e descrever a importância do momento histórico: “Tornem-se artesãos da paz”, apresentou o jornal italiano La Stampa, enquanto o alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung registrou: “O Papa em Bagdad: Chega de violência”.
Por tudo isso e em reconhecimento por sua coragem e verdadeira missão de Pastor da Igreja, o Papa recebeu o diploma que marca a entrega do Prêmio Nacional Italiano de Jornalismo “Maria Grazia Cutuli” 2021. No certificado, Francisco é definido como um “Enviado Especial” que, “gastando os sapatos, percorre as ruas do mundo em nome da Fé, da Fraternidade e da Paz”. A premiação ocorreu a bordo do avião que levou Francisco ao Iraque.

O passo a passo do encontro com os iraquianos
O Papa Francisco chegou a capital Bagdá, em 5 de março. Entre outras atividades protocolares, no palácio presidencial, ele foi recebido pelo presidente do Iraque, Barham Ahmed Salih Qassim. Em seu primeiro discurso, Francisco aproximou-se dos que professam outras confissões religiosas, incentivando a amizade entre as comunidades religiosas, quais foram as suas palavras: “Venho como penitente que pede perdão ao Céu e aos irmãos por tanta destruição e crueldade. Venho como peregrino de paz, em nome de Cristo, Príncipe da Paz. Quanto rezamos ao longo destes anos pela paz no Iraque!”.
Neste dia também foi destaque o encontro com os bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, seminaristas e catequistas na Catedral Sírio-Católica de “Nossa Senhora da Salvação”, para quem o Papa ensinou, com seus gestos, a ser ‘Igreja em saída’. Dirigindo-se aos clérigos e fiéis leigos, o Pontífice disse: “É fácil ser contagiado pelo vírus do desânimo que às vezes parece difundir-se ao nosso redor, mas o Senhor deu-nos uma vacina eficaz contra este vírus mau: é a esperança”, completou.
No segundo dia da visita, em 6 de março, o Papa viajou para Najaf, ‘cidade santa’ do islamismo xiita mundial, onde encontrou-se com o Grão-Aiatolá Sayyd Ali Al-Husaymi Al-Sistani, de 90 anos. Em sinal de respeito às normas islâmicas, o Papa tirou os sapatos antes de entrar no quarto do líder xiita. O encontro, que durou cerca de 55 minutos e não foi gravado, foi visto como um importante passo na aproximação entre o cristianismo e o islamismo. Os xiitas representam 60% da população iraquiana.
A visita não foi filmada, por isso, um comunicado do Vaticano depois da reunião informou que o Papa agradeceu ao Aiatolá e à comunidade xiita por sua defesa dos mais fracos e perseguidos em meio à violência e às grandes dificuldades dos últimos anos, reafirmando o caráter sagrado da vida humana e a unidade do povo iraquiano. O Aiatolá, por sua vez, respondeu ao Papa que os cristãos devem “viver em paz e segurança” e se beneficiar de “todos os direitos constitucionais”.
Depois desse encontro, o Papa viajou para Nassiriya, na Planície de Ur, região desértica no sul da Mesopotâmia, entre as bacias dos rios Tigre e Eufrates. Nesta região, onde ficava a antiga cidade de Ur, criada há cerca de 3.800 anos e considerada o local de nascimento do profeta Abraão, Francisco participou de uma cerimônia ecumênica, com diversos cristãos de diversas denominações, muçulmanos xiitas e sunitas, judeus, yazidis, zoroastristas, entre outros. Neste local, o chefe da Igreja católica disse que o “terrorismo abusa da religião” e apelou à paz e à unidade no Oriente Médio, lamentando a saída de cristãos da região, obrigados a procurar refúgio em outros países. No encontro, chamado de extraordinário e inimaginável, os cristãos deram graças a Deus em diferentes línguas.
De volta a Bagdá, na tarde deste mesmo dia, o Pontífice presidiu a Santa Missa na Catedral caldeia de “São José”. (Foto)
Dentro da programação do penúltimo dia de visitas, dia 7 de março, o Papa se encontrou com autoridades civis e religiosas, na região montanhosa e autônoma do Curdistão Iraquiano.
Em Mossul, ao norte do país, na praça de Hosh al-Bieaa, Francisco rezou por intenção das vítimas da Guerra. Em um pequeno palco com uma cruz de madeira simples e uma poltrona branca, o Pontífice fez uma prece pelo amor, o respeito e a aceitação do próximo. “Se Deus é o Deus da vida, e Ele o é, para nós não é permitido matar os nossos irmãos em seu nome. Se Deus é o Deus da paz, e Ele o é, não nos é lícito fazer guerra em seu nome. Se Deus é o Deus do amor, e Ele o é, não nos é permitido odiar os irmãos”. Ao redor, o cenário era de buracos de bala, paredes destruídas por morteiros e escombros que lembravam os horrores da guerra. Antes da invasão do Estado Islâmico (em 2014), essa parte da cidade abrigava igrejas centenárias e ruas em que, por séculos, muçulmanos conviveram com cristãos e judeus.
Também neste local, o Papa ouviu alguns testemunhos das atrocidades cometidas durante a invasão do Estado Islâmico, que causou o êxodo de cerca de 500.000 pessoas, 120.000 delas cristãs.
Em Qaraqosh, onde a maioria dos habitantes é composta por cristãos, o Papa ouviu testemunhos de fé e o pedido de perdão aos assassinos que mataram seus filhos, suas esposas. Na igreja da “Imaculada Conceição” ele rezou a Oração do Ângelus.
Em Erbil, capital da região autônoma do Curdistão Iraquiano, no Estádio “Franso Hariri”, no último compromisso, o Papa presidiu a Santa Missa para mais de 10 mil cristãos de todas as partes do país. Eles rezaram com Francisco, com esperança.
Devido à pandemia de covid-19, o chefe da Igreja católica não teve encontros com multidões, algo comum em suas viagens ao exterior. A Missa em Erbil foi a única exceção.
Durante a visita a essas localidades, vítimas do terror dos extremistas do grupo Estado Islâmico, o Papa encorajou e confirmou sua fé na comunidade cristã; uma luz do bem e da redenção que Francisco levou a um lugar devastado pela guerra, pela violência e pela perseguição.
De volta a capital Bagdá, na manhã da segunda-feira, 8 de março, o Papa participou da cerimônia de despedida no Aeroporto de Bagdá, retornando a Roma.
Dois dias depois, na Audiência Geral do dia 10 de março, Francisco comentou: “Experimentei o forte sentido penitencial desta peregrinação: não podia aproximar-me daquele povo martirizado, daquela Igreja mártir, sem carregar, em nome da Igreja católica, a cruz que eles carregam há anos; uma grande cruz, como aquela colocada na entrada de Qaraqosh” e disse também que sentiu isso quando viu as feridas ainda abertas da destruição, e ainda mais quando conheceu e ouviu “as testemunhas que sobreviveram à violência, à perseguição e ao exílio”.







