20 de setembro de 2024

Jundiaí /SP

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1ª Experiência Vocacional Missionária no Amazonas – Testemunho

Confira, a seguir, o testemunho do José Denilson Santos da Cruz, seminarista do 2° ano da Etapa da Configuração (Teologia) e Vice Coordenador do Conselho Missionário dos Seminaristas (COMISE) do Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sobre a participação dele na 1ª Experiência Vocacional-Missionária “Pés a Caminho”.

Amazônia: terra de missão, terra de gente feliz!

Entre 5 e 17 de janeiro, tive a graça de participar da 1ª Experiência Vocacional-Missionária “Pés a Caminho”, na Arquidiocese de Manaus (AM). Foram dias de oração, formação, partilha de experiências, encontros e reencontros e, sobretudo, de aprofundamento e renovação do ardor missionário através de nossa presença junto à realidade amazônica.

Recordando-me desta experiência, o primeiro sentimento que nasce em meu coração é a gratidão. Sou grato a Deus pelo chamado e pelo sustento na vocação! Grato a Ele por ter me dado esta enorme graça de estar, mesmo que por um breve período, junto ao povo amazônico, não apenas fazendo coisas, mas, acima de tudo, convivendo, sendo presença e recebendo deles tantos aprendizados e experiências bonitas de fé e amor. Estes dias foram realmente um tempo de graça; tempo de dar e receber; pausa restauradora na caminhada.

Missão é experiência de encontro, momento de ensinamento e aprendizado, de partilhar a vida e a fé, de encontrar Deus naquele com quem se depara. A I Experiência Vocacional Missionária reuniu na Arquidiocese de Manaus, na Diocese de Coari e na prelazia de Itacoatiara 280 missionários e missionárias – em sua grande maioria seminaristas. Foi um momento nas terras amazônicas no qual passei a ter mais certeza de que a missão é essencialmente encontro; um encontro que faz arder o nosso coração para o amor.

Após o dia de formação sobre a realidade amazônica, 11 seminaristas de diversas regiões do Brasil e eu fomos designados para estar junto do povo da Área Missionaria São Lucas, zona leste de Manaus, onde permanecemos ao longo dos dias. Uma comunidade simples, mas de um povo fervoroso na fé, confiantes sempre na graça da providência de Deus. O seminarista Marcus, da Diocese de Anápolis (GO) e eu ficamos hospedados na casa de um casal muito simples e acolhedor, a dona Elda e o sr. Hélio, ambos coordenadores das comunidades.

Trata-se de uma realidade em que nos encontramos com o sofrimento, com a miséria, com a dor do povo; mas também com a alegria do encontro com a Palavra de Deus, do encontro com o próprio Deus, nas pessoas que, em seu sorriso, sabiam acolher. Eles estavam felizes só com a nossa presença.

Nestes dias em que estive no coração da Amazônia pude aprender que com pouco também se vive e que a vida acontece nos lugares mais remotos que possamos imaginar. Aprendi que a nossa Igreja tem, em cada lugar, um rosto diferente. Aprendi que também devo buscar uma fé simples, pura. Eles nunca se sentaram num banco acadêmico, mas conhecem Jesus por meio da simplicidade que se revela no cotidiano de suas vidas. A grande mudança que ainda trabalho em mim é perceber que as distâncias não são impedimentos para buscar o Senhor, e muito menos para anunciá-lo.

Presenciei testemunhos de pessoas que percorriam longas distâncias de barco ou estradas de terra para participar da santa Missa apenas uma vez por ano, por ocasião da festa do seu padroeiro. As ações evangelizadoras das Igrejas da Amazônia têm o desafio do alcance geográfico. Grande número de comunidades católicas está no interior, nas margens dos rios e distante dos centros urbanos. O deslocamento por lancha, barco ou rabeta é comum na região, mas não é sempre acessível, prático e rápido, de modo a favorecer encontros, formações e celebrações.

A baixa acessibilidade explica por que algumas comunidades ficam um ano, ou mais, sem receber a visita do padre. Vale lembrar que o clero é reduzido ou escasso, contando que existem paróquias sem padres ou padres que assumem mais de uma paróquia, garantido o serviço de alguns sacramentos. Por outro lado, a Igreja na Amazônia tem a força dos ministros leigos que sustentam a evangelização e a animação das comunidades.

Desse modo, a oportunidade de entrar na casa de muitas famílias significou para mim o adentrar na vida de tantas pessoas. O exercício da escuta com atenção da história de vida de cada pessoa possibilitou não somente admiração pela força para enfrentar as dificuldades, mas também a descoberta da ação de Deus na vida de cada um e a luz para a minha vida vocacional. O testemunho dos animadores das comunidades e de outras pessoas deixou grandes marcas na vida de cada um de nós e animou a nossa vocação. E percebemos que não foi apenas a comunidade que ganhou, mas nós também. Ao mesmo tempo que evangelizamos, nós aprendíamos um pouco mais sobre o amor de Deus.

Ao visitar as comunidades, encontramo-nos com dona Raimunda e dona Júlia, que demonstram a importância de receber os missionários. “Eles nos trazem a paz, o ânimo, o incentivo para podermos caminhar juntos no dia a dia junto com os comunitários. A gente precisa muito disso, eles nos ensinam, visitam a gente, transmitem coisas boas e a gente acaba aprendendo com eles também”, afirma dona Raimunda. Dona Júlia, falando em língua “nheengatu”, diz ter sido “muito bom que os missionários vieram nos visitar, ensinar a gente, há muito tempo que a gente esperava por isso, o nosso coração está alegre, estamos felizes de receber vocês, a gente só tem a agradecer a todos vocês”, disse. É uma realidade de um povo que sofre, mas que é feliz.

Outra recordação que me toca é a de dona Geralda, uma mulher humilde que morava sozinha. Muito devota de Nossa Senhora, dizia-me o seguinte: “Eu rezo o terço porque não sei ler a Bíblia”. Falas como essa mostram a nós a paixão de um povo por nosso Senhor e sua Igreja: mesmo diante de limitações, buscam meios para sustentar sua fé e exercer sua espiritualidade cristã.

Finalmente, nessas visitas, ainda guardo na lembrança as palavras de uma senhora muito idosa, dona Elmira. Dizia “meu filho” e passava as mãos no meu rosto. “Já estou velha, sei que não viverei muito tempo. Também sei que nunca mais verei você por aqui. Mesmo que volte, sinto que até lá eu já tenha morrido. Espero que seja um bom padre e se Deus assim permitir, um dia hei de encontrar com você de novo no céu!”. Analfabeta, dona Elmira nunca ouviu a palavra escatologia, mas me ensinou de modo simples a teologia da esperança.

Nos últimos dias de missão pudemos visitar a Tribo Indígena Tuyuka. Os tuiucas são um grupo indígena da família linguística tucana oriental que habita o noroeste do estado brasileiro do Amazonas, mais precisamente as áreas indígenas do Alto Rio Negro.

E é bom lembrar que essa vivência da missão não é apenas uma etapa no processo formativo, mas ela deve estar presente ardentemente no nosso coração durante toda a nossa existência como pessoas humanas e como cristãos, pois é esta chama ardente dentro do nosso coração que nos conduz ao encontro dos outros e a enxergar neles o próprio Jesus que sofre e que se faz necessitado. Ou seja, se o coração não arde, os pés não andam (Lc 24,32-33).

O fim desta experiência no Amazonas foi marcado por inúmeros agradecimentos e momentos de confraternização. Tudo foi muito intenso e bem vivido, de modo que foi dolorida a hora da despedida; a experiência deixou bonitas marcas em nossas vidas. O povo, emocionado, chorava porque estávamos indo embora. Voltamos da missão com as malas, a mente e o coração cheios de lembranças e o ardor renovado para a continuação da missão.

Na segunda-feira, dia 16, reunimo-nos para um momento de avaliação e partilha de experiências. Para o Cardeal Leonardo Steiner, Arcebispo Metropolitano de Manaus, “toda vocação é serviço na missão. Toda missão nos dá o servir, servir na Palavra, servir no testemunho, servir no lava-pés, servir no consolo, servir na samaritaneidade, servir na fraqueza, servir no perdão, servir na misericórdia, servir na reconciliação, sempre servir, porque nascemos do povo de Deus”.

Assim, constatamos que a Igreja tem presença marcante na Amazônia: ela existe e sobrevive pela marca de muitos missionários que entregaram suas vidas pela gente daquele chão. Contudo, é uma Igreja carente, que precisa de ajuda para a animação das comunidades, evangelização da juventude, formação de lideranças religiosas e comunitárias para o cuidado do povo. Rogamos ao Senhor da messe que desperte na querida Amazônia santas e grandes vocações.

Ter pisado no chão da Amazônia me fez conhecer uma realidade totalmente nova e desafiadora. É impossível retornar para casa com a mesma visão de Igreja e de humanidade, haja vista os desafios e alegrias vivenciados ao longo destes 14 dias.  A experiência do novo é cheia de aprendizado e é centrada em interesses que nos colocam a caminho pela construção do Reino dos céus. Neste sentido, o lembrete de São Paulo VI ressoa forte e bem atual para a missão da Igreja: “Cristo aponta para a Amazônia”.

Jesus, missionário do Pai, sede nosso modelo e guia na missão!

Que Nossa Senhora, Rainha da Amazônia, interceda por nós!

Corações ardentes, pés a caminho…

José Denilson Santos da Cruz
Seminarista do 2° ano da Etapa da Configuração (Teologia) e Vice Coordenador do COMISE do Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

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